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quarta-feira, 13 de março de 2013

Sexagésima Primeira Carta: Etapas de uma mudança arriscada.

"Eu te disse hoje que mudaria, não é? Então eu já vou deixar minhas palavras preparadas antes de dormir, torcendo para que você leia, pra que quando eu acorde, tudo esteja esclarecido e resolvido. Bem... é a isso que minhas noites têm se resumido: apenas deitar a cabeça no travesseiro, levar horas naquelas atormentações que você já sabe que me caem sobre o colo, esperando que tudo esteja resolvido quando eu abrir meus olhos. Sinceramente? Tenho preferido nem acordar. Nem abrir os olhos. Não acordar... Não mereço, não quero, não é justo. Talvez seja egoísmo, mas seria menos uma pessoa triste no mundo, certo? Precisamos de sorrisos verdadeiros, não dos que compro todo dia para tentar vê-la sorrir. Simplesmente não consigo atribuir valor à mim mesmo, não consigo gostar de mim, não consigo esperar para me encontrar no dia seguinte... vivo. Acho que minha história, minha vida só tem valor para mim quando é em prol de outra pessoa, quando digo que faço o que gosto para ajudar as pessoas que precisam de ajuda, quando digo que dou minha vida por quem amo - inclusive você, pode ter certeza. Eu só senti vontade de escrever pra esclarecer as coisas, mas sei que muita coisa só pode ser dita quando olhos se encontram e palavra alguma é dita. Mas falta tanto... um tanto que se concentra em tão pouco... É desgastante, e eu bem queria não viver tão em razão disto, mas é como eu disse: minha vida só faz sentido e só tem valor baseando-se no 'algo' por 'alguém'.

Não sei o que me faz ficar de pé e ainda insistir, mas... só tenta entender que... eu SOU diferente. Sei lá... eu faço como quero e como acho que deve ser para fazer o melhor, e talvez agradar seja o meu erro, mas... Nem todo mundo faz o mesmo que eu... Flores. Estamos falando sobre flores, né? Não que isso seja importante, nem tanto, mas percebe que são flores. Algo tão comum, tão... básico... e não pode ser deixado de fora. Você merece flores. Sabe disso. E não tem alguma de quem deveria ter. Estaria isso certo? Me diz, por favor, porque não sei se sou eu que trilho pelos cantos errados da minha natureza, e espero que ser diferente não me faça superficial.

O que sinto não é uma paixão pequena, é uma mistura com amor exagerado, tão maior que eu, que chega a me sufocar. Lembra que coisas caem sobre mim quando deito a cabeça? Eis uma delas. E bem poderia não ser assim. Desculpa se pareço... ofensivo... mas... precisamos usar as cartas brancas do jogo, não é? E você sabe que eu perdi muita coisa, sabe o quanto não dei valor para o que tinha e que martirizo por um dia ter perdido tanto. Não queria perder você. Mas seja sincero: eu a estou perdendo. A cada-cada-cada dia, e cada vez que penso nisso, tenho vontade de cortar tudo isso fora até que não sobre mais lembrança alguma, até que não reste identidade, até que eu desapareça de vez. Sabe o quanto isso dói?

Sei que não.

Certo, não é egoísmo. Deixe-me explicar como eu sempre pensei, o que sei que é um jeito diferente, mas tão básico: dor não se dói pouco ou muito. Não é o que muito dói ou o que pouco dói. O problema é onde dói, em quem dói, quando dói e porque dói. São quatro fatores que podem definir o estado de alguém. Se dói na pele, arrancamos fora. Mas o que fazer quando dói dentro do peito e dentro da própria cabeça? Quando dói num empresário bilionário, basta alguns gastos e fortes vinhos caros para fazê-lo esquecer. Mas e quando se trata de quem tem cada lembrança como uma mácula de uma perda? Se dói quando se está ocupado, aquilo passa despercebido. Mas e quando dói no momento em que toda atenção está voltada para o que dói e o porquê dói, e quando alguém vive em função disto? E quando dói por se estar tentando ser feliz, é aceitável, afinal é a reação da famosa ação. Mas e quando não se aguenta mais chorar, e tudo o que você quer é parar com tudo?

Dói ver que está tudo indo por água abaixo. Dói ver que dói dentro da minha cabeça e dentro do meu peito, e que faça o que eu faço, nada resolve. Dói ver que dói justamente em mim que estou tentando não mais chorar, não mas engasgar com as próprias lágrimas, não mais se afundar no travesseiro e nos remédios. Dói ver que dói logo quando está tudo sendo erguido, logo num momento crucial. Dói ver que dói porque...

... porque eu não sei. Não sei o que faço de errado. Realmente não sei o que acontece. Quero entender, tento entender. Talvez seja o egoísmo de achar que sou o suficiente que me cega nessas horas, mas pela lógica não consigo me... Calo-me; não gosto de meu egoísmo. Sei que isso não me pertence, sei que não sou egoísta, mas sei que ESTOU sendo.

Só queria que tudo isso se recupera-se, que eu pudesse deitar minha cabeça e sorrir, não agonizar pra lá e para cá até que meus dias estejam contados. Perdi a conta de quanto me flagelei, de quanto me martirizei e de quanto, por fim, me matei. É tudo tão sem cor... tudo tão seco... tudo tão áspero. Não há nada, NADA, que não seja desenhado pra ser como melhor deve ser. Talvez não pensar... talvez agir por impulso... talvez seja isso o que preciso. Espero que não esteja entendendo isso... espero que não esteja esclarecida do que se passa comigo... espero que esteja ignorando este lado que não conhece, aquele lado que te surpreendeu pela tarde. Sei que não conhecia isso, afinal nunca soube que eu me sentia assim tão... pútrido. E até lhe permito rir, pois tragicomédia também rende. Eu mesmo já cansei de fazer isso, mas... minha risada agoniza dentro da minha cabeça, sabe? Pra quem REALMENTE sabe como é, essa risada é agonizante simplesmente por provir de uma tristeza, de uma melancolia, de uma depressão... Lembro quando falou 'isso é frescura, não doença'. Talvez... mas acho que disto já se instalou em mim, já se tornou uma chaga. Lembra que eu disse que não esqueço nada, que nada passa despercebido por mim? Então... Eis duas delas, afinal lembro bem quando disse isto e sei que não vou esquecer como estou agora, assim doerá enquanto eterno for meu tempo.

Eu preciso te pedir desculpas, sei que sim, por mais que diga que não. Sei o que está aqui dentro, sei bem que não é nem metade do que está aí para que leia, para que interprete como quiser e para que ria o quanto tiver que fazê-lo, afinal por mais que eu tente, por melhor que eu fosse em escrever, jamais transfiguraria tão perfeitamente essa loucura que se instalou dentro de mim. Eu preciso, é claro, lhe pedir desculpas caso isso tudo tenha lhe magoado. Espero que não chore como eu, porque já faz meia hora que estou para terminar de escrever e toda hora paro para secar os olhos e soltar uma risada de agonia enquanto soluço e retorno a rir. Espero que me perdoe por toda essa bagunça. Como eu disse... sou diferente, e com isto, tenho eu certeza, não estás acostumada. Se nem com flores, quem dirá com cravos? Acho outro relevante ponto em quem sou: minha facilidade em associar glória e infâmia, luz e trevas, bem e mal, dor e alegria, sorriso e lágrima. Mas seja como for, este ponto é papo para uma outra carta, num outro dia, numa outra vida - talvez para daqui mais dois mil anos, quando novamente a Ponte do Rio Morte estiver sendo reconstruída.

Não sei se o que se passa na minha cabeça não se compara ao que passa na sua para menos ou para mais, mas... é como eu disse: são os quatro fatores que definem como alguém vai sofrer, não há um 'quanto'. Eu não temo este fim de carta, não temo nem mesmo o fim de um batimento meu, e o que me falta não é coragem, me falta é faltar egoísmo. O que me mantém de pé talvez seja isso associado à desilusão de que eu posso mudar as coisas a bel prazer. E como você imagina, sim: por trás de meus sorrisos longe da sinceridade, há algo sempre escondido. Algo que sei e não sei o quê e o porquê, nem onde está. Só sei em quem dói e quando dói. Sorrir nunca foi uma faca de dois gumes, mas...

Apenas não me deixe, só não se vá, nem permita que a ponte que construí sobre o Rio Morte seja em vão. Não quero acabar por aqui e esperar mais um ano para que tudo aconteça novamente, por mais dois mil e mil anos. Não quero estar voando com uma corda no pescoço. Não quero ser novamente essa lástima para o meu passado, nem uma mácula para corromper meu futuro de modo que volte tudo a acontecer. Quero que esclareçamos olho-a-olho, de verdade, sem rodeios. Pode cuspir toda verdade, pode escarrar minha cara, pode espancar meu corpo... se não for você, o tempo fará o mesmo para não me fazer esquecer.

Não será diferente até que você me ajude. Nada vai mudar enquanto eu não puder mudar 'algo' por 'alguém', mesmo que essa seja a reação de viver em prol de alguém, de dar a vida por alguém. Para que eu mude, não posso ser um ponto vermelho no tapete preto, afinal uma hora isso se tornará um incômodo brevemente apagado... para você... pois pra mim acontecerá novamente, toda vez que o Rio Morte passar por aqueles dois jovens separados por um muro.

Somos nós. Novamente."

Cartas Diretas,
obrigado.

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